segunda-feira, 11 de junho de 2007
Eu, Kafka e as Baratas (ou Meu Amigo Franz)
Acordei tarde naquele dia. As recém instaladas cortinas fizeram um trato com Sol para ele não me incomodar. Ainda bem, pois paguei caro por elas, que muito menos novas eram. Levantei de cuecas & meias e olhei para minha cama. Lençóis empoeirados pela esperança cremada e amarrotados por delírios. Tirei a pouca roupa e fui ao banheiro. Vi uma barata e dei-lhe bom dia. Ela saiu correndo. Liguei o chuveiro e deixei a água gelada passear por todo meu corpo. Passei a imaginar um copo de vinho nas mãos. Flertamos & dançamos. Engoli deliciosamente e vi meu cérebro manchado de roxo refletido no azulejo. Quando vi, bebia desenfreadamente a água suja do chuveiro. Tentei cuspir o que restava entre os dentes e praguejei. Desliguei o chuveiro e alcancei a toalha. Sequei-me e passei a me divertir enquanto enrolava a toalha ora como um cachecol, ora como um turbante; sendo um lorde a passear nas ruas de Nova Iorque durante o inverno e um sheik fumando haxixe acompanhado por mil e uma mulheres de cérebros cozidos pelo Sol, tudo ao mesmo tempo. Pousei os olhos na pia e vi que não era nada disso. Morava em um hotel na periferia da capital, convivia com baratas e tinha uma pia verde com restos de barba por toda parte. Mas pelo menos o que tinha era por livre e espontânea vontade. Eu pelo menos achava isso. Achava que dar o fora de casa e ser um escritor com despesas leves era mole. Escreveria contos, beberia e seria famoso entre as jovens mentes fumegantes futuras que influenciei, por ser um grande praça que dava festas insanas. Pois não era. Tudo que tinha agora eram contas, mais baratas e nenhum livro publicado. Quase não via pessoas (e nem me importava) e a única mulher na minha vida era a dona do hotel. Uma viúva enlouquecidamente crente de olhos esbugalhados e cabelos descaradamente tingidos de loiro que não saía do quarto sem antes se afogar em quilos e quilos de pó de arroz. Desprezava-me calorosamente, como se fosse seu filho ingrato e sem futuro. Deveria ter sido pastor, mas ninguém me avisou. Pensei em tudo aquilo enquanto fazia a barba naquela pia verde e peluda. Saí do banheiro completamente nu com a toalha na mão secando os cabelos. Dei de cara com a camareira, que tinha fama de tagarela, que desferiu um grito de espanto e saiu em disparada. Olhei-me no espelho e pensei que provavelmente deveria ser parecido com um bonitão da sua novela favorita. Era isso ou o Lobisomem como veio ao mundo. Fiquei passeando pelo quarto fingindo ser o galã e liguei para recepção, ansioso por um bom uísque. Eu era o moço conceituado e educado. Não serviam bebida. Pedi um café e ainda pensei em me desculpar à mocinha camareira e chamá-la para tomar um drinque comigo, mas eu já estava cansado do papel de mocinho e mandei tudo pro inferno. Contentei-me com o papel de parasita e deitei-me no chão me juntando às baratas. Vi uma de grandes antenas, que mais parecia um velho ancião, e a batizei de Franz. Resolvi escrever uma poesia a Franz e comecei a tecer as palavras na mente. Agora eu era o escritor e... Bom, o resto você já sabe.
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